segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Day 8 - Ou como quase bater as botas parte I

Ollantaytambo, 07:00.

O guia e motorista chegam atrasados. Vêm desde Cusco e a neblina está cerrada. Mau presságio?
Com eles segue ainda o nosso cozinheiro para a viagem.
Sacos carregados, espreitamos as iguarias já carregadas na carrinha: pão, óleo, vegetais, legumes hmmm sopa Magi???! Wtf...

Arrancamos. Primeira surpresa: o trilho não começa em Mollepata mas sim já em Soraypampa.
Pequena paragem para comprar os últimos abastecimentos e passado um par de horas chegamos a Mollepata. Aqui, tomamos uma verdadeira auto-estrada para cabras. Estreita e cheia de buracos, volta e meia paramos e temos que esperar que os trabalhadores coloquem os troncos nas valas que abriram (estão a construir canais de rega?) para passarmos. A certa altura saímos para aliviar o peso e acautelar qualquer possível acidente. Nada que um camião de seguida não faça a "abrir"...

Passa por nós uma carrinha de caixa aberta com três gringos. O guia explica-nos que estão a ser evacuados porque não conseguiram suportar a altitude. Mau presságio? Acredito que eram uns gringos americanos obesos...
O Elias completa a explicação: às altitudes a que vamos estar, é irrelevante a preparação física de cada um, ou o organismo adapta-se e sobrevivemos ou não se adapta e é necessário evacuar e descer rapidamente..

Olho para os meus companheiros. É a primeira vez que vejo a preocupação nos olhos deles. Penso para mim:"ainda bem que não perdi tempo com preparações físicas"...

Passado um par de horas, chegamos a Soraypampa, cerca de 4500 metros. Como já andamos a alta altitude há algum tempo, não nos apercebemos de grandes alterações no organismo.

Conhecemos a nossa equipa: cozinheiro, dois areeiros e 6 cavalos. Existe ainda a mascote do grupo: uma espectacular, curiosa e sempre atenta cadela, chamada de "Maya" (não lê a sina, nem tem silicones ou botox...).

Os cavalos irão carregar a bagagem, tendas, alimentos e restante material. Existe ainda um cavalo livre que funciona como ambulância.
Para qualquer eventualidade, o Elias carrega consigo uma garrafa de oxigénio.

Tenda para almoço montada, cozinheiro apressa-se a desenrascar a refeição: sopa de quinoa e massa com algo que já esqueci..provavelmente, legumes.
Jogamos ao galo no chão com o guia. Tudo parece estar em ordem..

Depois de almoço, é hora de nos pormos a caminho. Destino: Itiuasha, local do nosso primeiro acampamento e situado na base de uma magnifica montanha glaciar.

Arrancamos e começamos logo a subir. O ritmo é desde logo alto. Acompanho mas percebo que a esta altitude os passos custam o dobro ou triplo do que ao nível do mar. Adaptamo-nos e vamos mais devagar. As paragens sucedem-se de 700 em 700 metros. A inclinação não é crítica mas cansa...e muito.

Passadas duas horas começamos a sentir verdadeiramente a pancada que estamos a levar.
-"Elias, por que raio estamos a avançar hoje e a não seguir o programa que previa ficarmos em Soraypampa?"
-"Pará amanhã já estarmos mais próximos do destino, pois será uma etapa complicada"...

Mau-Maria, isto cheira a esturro... As rotas do vento diziam "3 horas de caminhada de mollepata a soraypampa". De carro, essa etapa levou quase duas horas...

Esqueço o assunto, um problema de cada vez. O actual é chegar ao acampamento base a 4509 metros de altitude. Com uma natural dificuldade, o objectivo é superado por todos. O Alex ainda passa por algumas dificuldades mas nada que não consiga controlar com uma melhor respiração.

O cenário do acampamento é magnifico. Estamos no sopé de uma montanha que se eleva até aos 6500 metros. Totalmente coberta de neve e gelo de forma permanente, o branco reflecte no terreno mais baixo e fixa a nossa admiração. É impossível ficar indiferente...
A isso e à magnifica tenda casa-de-banho, um mimo pelo qual não estava a contar!
Basicamente é uma mini-tenda cúbica com um buraco cavado no meio. Papel higiénico disponível..

Além da casa de banho e das tendas individuais, existe ainda a tenda da cozinha e a tenda da messe.

Lanchamos - pão com manteiga e chá quente que me sabem pela vida - e começa a escurecer. A temperatura desce para uns agradáveis 0•C e começa a levantar vento. Apesar de tudo, parece estar tudo bem.
Jogamos ao Uno com o guia e logo de seguida jantar com direito a sobremesa (algo feito à base de chicha morara? misto de mousse e pudim quente...).
Despedimo-nos do guia ("qualquer coisa, oxigénio, avisem!!"), apreciamos o céu estrelado e tentamos encontrar as nossas tendas com as lanternas no meio da escuridão. A montanha essa, continua a reflectir o branco do seu gelo (e o correspondente frio...).

O frio começa a apertar. De certeza que já devem estar uns -5•C...
Preparo-me para a noite: ceroulas, dois pares de meias grossas, calcas de fato de treino polar, camisola térmica, tshirt, camisola polar, casaco polar.
Enfio-me no saco-cama. Temperatura de conforto (temperatura até a qual o saco permite que durmas):-7•C. Temperatura extrema (não dormes mas também não morres): -15•C.
O vento começa a soprar forte e os plásticos da tenda a abanar por todo o lado. Tentamos comunicar uns com os outros mas o barulho é insuportável. O frio também. Apesar de tudo, ainda sinto um frio considerável...
Recordo-me do que o Elias dissera antes: há cerca de um mês, este local estava cheio de neve e a temperatura nos -15•C...uh-oh...
Estimo que se começasse a chover agora, seria neve pela certa...
Tento adormecer que o despertar está marcado para as 05:00...
São 20:30 quando fecho os olhos. O barulho do vento continua mas passados alguns minutos estou "quase lá".
Puro engano, mal estava praticamente a adormecer, o meu corpo estremece e dou um pulo. Daquele género de acordar "de repente"... Imagino que é do vento ou do desconforto de dormir num saco-cama.
Pouco depois a cena repete-se. Desta vez "acordo" com o coração aos pulos e com o peito apertado. Convenço-me que é do vento e do despertar abruto com o barulho.

A cena repete-se mais 4 vezes. Começo a reconhecer que se deve à altitude. Como a sequência de "pulos" é muito rápida, o meu coração está a 1000 à hora e a respiração ofegante. Começo a panicar, o que agrava a sensação de falta de ar. Tento concentrar-me para adormecer e acalmar-me. Nada feito, na escuridão da tenda - aconchegado pela minha fiel lanterna do Continente - embriagado pelo barulho do vento, começo a achar que é impossível dormir e que o meu organismo não vai conseguir adaptar-se.
Passa uma hora e não consegui controlar o pânico e respiração. Os pulos sucedem-se. Sento-me na cama e tento dormir. Não resulta. A falta de oxigénio leva o meu cérebro a divagar. Penso no que raio me fui meter. Prometo a mim mesmo que jamais voltarei a dormir numa tenda a 4509 metros de altitude, com um frio desgraçado e no meio do nada.

Considero seriamente a hipótese de me arrastar até à tenda do Elias e pedir socorro. Fiquei-me pelo considerar, além de estar um frio descomunal na rua mal consigo mexer-me em condições.

Já passa da 01:00 quando tenho um acesso de lucidez: "porra, se estava bem ao jantar e a esta altitude, por que estou tão mal agora? A única coisa que mudou foi a temperatura"...

Abro o meu saco-cama e meto toda a
minha roupa lá dentro. 3 pares de meias nos pés, tshirts enroladas nas pernas, camisolas, se a Maya estivesse aqui também iria para dentro do saco...

O truque parece funcionar - "truque" porque na realidade a doença de altitude pode manifestar-se a qualquer momento, não necessariamente no início do processo de aclimatização, o importante é estar atento aos sintomas e seguir as recomendações...é o que faço e estico-me até ao cantil para beber mais água...

Disse água? Queria dizer liquido refrigerante que congela a garganta e pulmões...

Em qualquer caso e miraculosamente, consigo dormitar. São 2 da manhã e oiço uma colega de grupo a sair da tenda para ir à casa de banho. Nessa mesma tenda, viria a saber no dia seguinte que outra colega tinha passado exactamente pelo mesmo que eu...

O vento parou. Oiço o Alex a dormir. Se ele consegue, eu também consigo...

Zzzzzz...

Life (ou o que resta dela) in Peru (a 4509m) continues...

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