sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Day 11 - Inka Trail

"Good morning Vietnam!!"

Ok, o cenário até poderia ser parecido: campesinos, árvores, sol a nascer, água a correr, ambiente relaxado antes de levar com napalm nos cornos...

Felizmente, desta vez não há ataques de granizo, doenças de altitude ou norte-coreanos. All is well in Peru...

Arrumo o saco-cama pela última vez tentando utilizar a técnica da Ana R. (tudo à bruta lá para dentro). Não funciona lá muito bem (talvez por me ter esquecido de um cachecol dentro do saco-cama?). Peço ajuda à Ana para me demonstrar a técnica ao vivo. Não corre muito melhor quando comparado com a técnica que aprendi via YouTube.

Preparados para sair, a menina campesina da casa espreita curiosa. Vejo que a Ana desfaz-se dos rebuçados que não gosta, oferecendo à rapariguita (não deve ter mais de 8 anos).
Num esforço admirável de solidariedade, decido dar-lhe um dos meus chocolates (quem me conhece bem, irá reconhecer este meu gesto como hercúleo, numa situação normal, mais depressa tirava o chocolate das mãos da criança). Acredito que o faço por questões de karma e boa sorte para a caminhada.

Arrancamos. Hoje vamos percorrer durante a manhã, o correspondente ao primeiro dia do mais famoso trilho inca.
Cerca de 14kms com uma pequena subida mas no geral sempre a descer.

Percorrer o Inca Trail exige uma licença paga e esgotada há vários meses (500 caminhantes por dia...) e os animais não são permitidos, pelo que temos de pedir uma autorização especial para fazer o percurso com os cavalos. Justificação? Evacuação médica por causa da altitude.

Problema resolvido e já a uma baixa altitude (entre os 3000 e 2400m se não estou em erro), avançamos vale abaixo a toda a velocidade.

Pelo caminho vamos já nos cruzando com os primeiros desistentes do trilho inca. O mais comum, gringos com peso a mais. Também encontramos pessoas que simplesmente não conseguem lidar com a altitude, mesmo que seja apenas 2500-3000m.

Começamos a tirar o perfil dos caminheiros e a mandar palpites sobre se este ou aquele vai aguentar. Vê-se de tudo. O profissional todo artilhado. O amador todo artilhado. O adolescente sem um tusto que vai morrer pelo caminho porque tem de carregar todo o material de acampamento às costas. Os verdadeiros gringos. Os que pensam que aquilo é como ir a Fátima a pé desde Leiria.

O que realmente impressiona? Os carregadores. Como a passagem de animais não é permitida, o material, mantimentos e demais tralha dos vários grupos, é carregado por nativos carregadores. Baixos, corcundas, magros que nem cães esfomeados na Guiné-Bissau, carregam às costas sacos com o dobro do seu tamanho e o triplo do seu peso. Sobem que bem o Usain Bolt a correr os 100m.
Existem de todas as idades. Desde o miúdo nos seus 14 anos e que ainda está a habituar-se à dureza do ofício, ao senhor nos seus belos 70 anos, todo seco e raquítico. No meio do esforço, ainda conseguem cumprimentar quem passa.

Reflicto no que vejo. Se já me sinto mal de ver um cavalo a carregar a minha trouxa e tenda, creio que não iria suportar a ideia de ter um "carregador" humano, isto por mais que para os mesmos tal represente uma oportunidade de trabalho proveitosa e cujas alternativas nestas bandas são inexistentes...

Seguimos vale abaixo. Falando em vidas duras, o Elias começa a falar-me um pouco de si. 32 anos, casado e com dois filhos. Conta-me que vai desmontar a casa actual e construir outra num novo terreno. O termo correcto aqui é "desmontar". Lembram-se das casas de Puno feitas de tijolos de adobe? Em Cusco residencial, o princípio é o mesmo.

Quer construir quatro pisos. O primeiro até final de outubro servirá como apartamento da família actual. A base já ficará pronta para o segundo piso (alargar o espaço familiar), sendo depois os terceiro e quarto pisos para alugar.
Pediu 5.000 soles ao banco. Mais 10.000 à sogra, outros 5.000 à cunhada, juntando aos 5.000 que tem, deve estar safo... (25.000 soles = 7.500€)

A unidade familiar é muito sólida e importante no Peru, sendo natural este tipo de empréstimos sem juros. Aqui vale mesmo o "que rica sogra"!

Tento explicar-lhe como as coisas se processam na Europa. As taxas de juro, spreads, Euribor e roubo generalizado dos bancos. Inteligente como é, percebe tudo. Especialmente as variações das avaliações das casas pelos bancos consoante a situação (pedido de empréstimo ou entrega da casa)...

Alto! Encostamo-nos. Vem aí um par de cavalos... Elias faz-nos sinal e diz baixinho:"mirem chicos, ainda hay mucho machismo em los Andes"...

A cena é surreal: o homem vem à frente montando um cavalo na desportiva, atrás, outro cavalo solto e descarregado, no fim da coluna, a esposa, a pé e carregando tudo sozinha...

Aceleramos vale abaixo. Todos olham com curiosidade para nós. Por que raio vêm em sentido contrário tão bem dispostos e frescos? Cruzamo-nos com outros guias e descobrimos que o caminho original que deveríamos ter feito ontem, ter-se-ia revelado impossível dada a neve (a chuva que apanhamos mais abaixo). A partir daqui usamos esta desculpa:"opá amigo, somos muito bons, viemos do Salkantay tás a ver? Aquela coisinha que fica ao dobro da altitude em que estás agora a arfar? Só não nos deixaram continuar porque estava a nevar muito e não dava para encontrar o trilho, uma chatice!!"..

Cerca de 3 horas depois do início, acabamos os 14km do trilho e chegamos ao ponto de partida do Inca Trail. Tranquilos.

Fotos de praxe e seguimos para o último almoço com a equipa.
Adeus cozinheiro, adeus Maya, adeus Jenko!

Chegamos a Ollantaytambo onde apanhamos o comboio até Aguas Calientes, ponto base de chegada a Machu Picchu.
Jogos de Uno e truques de magia depois, o Elias ziguezaga até encontrar o nosso hotel.

Finalmente, um banho decente!!! A água fica castanha. Deixo-me ficar de molho durante uma hora. Priceless...
Até a cama rija sabe-me a uma Waldorf King size bed... Nem os comboios que circulam pelo meio da rua (literalmente) junto do hotel a altas horas da noite, apitando e fazendo estremecer todo o edifício, se me incomodam...

Temperatura? Uns 18•C...

Machu Picchu is just around the corner...

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